sábado, 15 de junho de 2013

Esclerose Múltipla: pacientes procuram tratamentos alternativos para aliviar os sintomas

Doença degenerativa sem cura, a esclerose múltipla surpreende pessoas jovens que, desesperadas, tentam tratamentos alternativos à base de dieta, maconha, vitamina D e até picadas de abelha

Cristina Nabuco em 14.06.2013
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A doença atinge 2,5 milhões de pessoas na proporção de três mulheres para cada homem
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 Foto: Pedro Rubens
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Repentina na maioria dos casos, a esclerose múltipla começa sem alarde. Mas os primeiros sinais diferem. Pode haver leve dormência no braço ou formigamento na perna, fraqueza ao segurar um copo, suave tremor nas mãos ou ligeira dificuldade para escrever, caminhar e falar. Há pacientes que descrevem visão dupla, embaçada ou dor ao mexer os olhos. Às vezes, surgem sintomas que parecem apontar em outra direção, como urgência urinária - aquela sensação de que não vai dar tempo de chegar ao banheiro - e intestino preso. Tudo desaparece em um período de dois dias a duas semanas. Então, a culpa recai no stress, na falta de sono, em um mau jeito. Os episódios se repetem até que um sintoma mais intenso, como paralisia de parte do corpo ou perda da visão, faz soar o alarme e leva ao médico. Com o diagnóstico, vem o choque. "A doença assusta, não só por causar surtos imprevisíveis mas por atingir pessoas, muitas do sexo feminino, que estão crescendo na profissão, iniciando um casamento, às vezes com planos de viajar e ter filhos", explica o neurologista Álvaro Pentagna, do Hospital São Luiz, em São Paulo. "Inconformadas, elas já se imaginam numa cadeira de rodas."
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória crônica que compromete o sistema nervoso central e atinge 2,5 milhões de pessoas no mundo - sendo 30 mil no Brasil -, em uma proporção de três mulheres para cada homem. Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, a faixa de maior incidência é dos 20 aos 40 anos. Mas claro que quem tem não precisa se conformar com a possibilidade de degeneração dos neurônios e de incapacitação. "Mesmo que não exista cura, hoje o tratamento, se for adequado e precoce, pode evitar sequelas e permitir uma vida normal", diz Álvaro Pentagna. Nos últimos 20 anos, houve avanços graças à definição de critérios diagnósticos e a novas opções terapêuticas. É o caso do fingolimode, que, recém-chegado ao Brasil, é o primeiro medicamento via oral para controlar a doença (os demais são injetáveis). Contraindicado para quem tem distúrbios cardíacos, retarda a progressão dos sintomas ao diminuir a ação das células imunológicas.
A doença tem origem autoimune: as células de defesa do organismo atacam a bainha de mielina, capa de gordura que envolve as ramificações dos neurônios com o objetivo de protegê-las e facilitar a propagação de estímulos. "A bainha funciona como o plástico isolante que encapa o fio elétrico", compara Pentagna. Com a agressão, ela se inflama, os impulsos nervosos perdem força e os surtos acontecem. Causas possíveis são herança genética - quando há histórico familiar, o risco cresce de quatro a cinco vezes - e fatores ambientais, como infecções virais, falta de exposição ao sol e tabagismo. Uma pesquisa da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, publicada em julho no periódico 
Neurology
, demonstrou que o stress desencadeia e agrava as crises.
 
Novos surtos
No início, o corpo consegue reparar a área destruída; daí, o sintoma desaparece sem deixar marcas. Mas, se os surtos se repetem, causando danos no mesmo local, a mielina atingida vira uma espécie de cicatriz, o que prejudica a comunicação entre os neurônios. Pior: existe o perigo de a doença evoluir para quadros progressivos. Um paciente pode ter lesões em pontos diferentes - e em fases distintas -, visíveis na ressonância magnética. "O tratamento reduz a atividade inflamatória para minimizar os sintomas, impedir novos episódios e evitar a progressão", diz Pentagna. Nas crises, são prescritas altas doses de corticoides por via endovenosa e, depois, para prevenir as próximas, imunomoduladores, como interferon e acetato de glatirâmer, que regulam a ação do sistema imunológico. Há formas ainda mais graves da esclerose múltipla - agressivas desde o início -, mas elas são menos frequentes. Podem ser tratadas com um medicamento biológico, o natalizumabe. As drogas, fornecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), comumente apresentam efeitos colaterais significativos. Fisioterapia e terapia ocupacional auxiliam na recuperação.
A médica Doralina Guimarães Brum, do Departamento de Neuroimunologia da Associação Brasileira de Neurologia, alerta que o desespero e a falta de conhecimento têm levado um grupo de pacientes a trocar medicações de efeito comprovado por métodos controversos. "O perigo de não tratar direito é ter um surto grave e o dano temporário se tornar permanente", adverte. Mas o fato de a doença ser incurável, ela diz, estimula a busca por soluções mágicas. "O sensato é procurar médicos conceituados, centros de referência e associações de pacientes em vez de ficar consultando o dr. Google."
Táticas polêmicas
O tratamento criado pela médica americana Terry Wahls, que é professora da Universidade de Iowa e apresenta esclerose múltipla, é um dos que levantam polêmica. As bases são dieta, exercícios e estimulação neuroelétrica para fortalecer músculos. Para divulgá-lo, ela exibe na internet uma foto feita antes do tratamento, em que está confinada em uma cadeira de rodas, e outra, tirada nove meses depois, em que surge andando de bicicleta. Sua alimentação inclui nove porções diárias de vegetais e frutas, carne orgânica e peixe fresco, além de suplementos nutricionais (ácido fólico, B12, ômega 3 e Coenzima Q 10). Ficam de fora glúten, laticínios, ovo e soja, que podem causar alergias, além de açúcar. Mas, em pesquisa da equipe de Terry, nenhum dos nove pacientes submetidos ao tratamento teve melhora comparável à dela. "São necessários estudos com maior número de pessoas para evidenciar o efeito", diz Doralina. Para ela, alimentação saudável é sempre bem-vinda, porque o paciente precisa de energia para se reabilitar. "Mas ninguém deve superestimar seu papel."
Na Itália, o cirurgião vascular Paolo Zamboni, da Universidade de Ferrara, partiu do princípio de que a esclerose múltipla decorre de um estreitamento das jugulares internas (veias da região do pescoço), por onde o sangue escoa do cérebro, e criou uma técnica para alargá-las com a colocação de balões ou próteses metálicas (stents). O procedimento cirúrgico ainda está sendo testado na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Por ser um método invasivo, organizações científicas, como o Comitê Europeu para Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla, não o aconselham até que os riscos e benefícios sejam identificados.
No Brasil, a polêmica maior gira em torno do uso de altas doses de vitamina D. Um documentário a favor da terapia, produzido pelo jornalista Daniel Cunha - que também enfrenta a esclerose - e disponível no YouTube, motivou discussões acaloradas nas redes sociais. "Além de absorver cálcio dos alimentos, ela exerce 229 funções no organismo. É um hormônio, não uma vitamina", diz Cícero Galli Coimbra, professor de neurologia e neurociência da Universidade Federal de São Paulo e defensor fervoroso desse tratamento. "Dos pacientes de esclerose, 70% têm níveis baixos de vitamina D, em decorrência de uma resistência genética a ela, e estão sujeitos a mais surtos e sequelas." Por isso, seriam beneficiados com a prescrição de altas doses diárias de vitamina D.
Para afastar o risco de falência renal causada pela quantidade, Galli Coimbra sugere excluir do cardápio alimentos ricos em cálcio, consumir água em abundância e fazer exames periódicos. Doralina observa: "Estudos que associam baixos níveis de vitamina D à esclerose e atribuem benefícios à reposição têm trazido resultados conflitantes". Dois trabalhos publicados em 2012 confirmam isso. Uma equipe do Hospital Universitário do Norte da Noruega forneceu a vitamina por 96 semanas a 35 pacientes. Não achou diferenças significativas entre o grupo tratado e o que tomou placebo. Já uma pesquisa da Universidade de Turku, na Finlândia, avaliou por 12 meses a eficácia da vitamina D como tratamento coadjuvante do interferon. Nos voluntários que receberam a suplementação, a ocorrência de lesões foi menor.
Abelhas e THC
Pairam dúvidas sobre outro tratamento alternativo: picadas de abelha para estabilizar a doença. Um estudo holandês apurou que não houve redução da atividade inflamatória com a adoção dessa medida. Já os efeitos da maconha, também testada em pacientes, parecem mais promissores. Divulgado no Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, um trabalho coordenado por um dos maiores pesquisadores do uso medicinal da erva na esclerose, o neurocientista John P. Zajicek, da Universidade Plymouth, na Inglaterra, observou quase o dobro de melhora da rigidez muscular no grupo dos voluntários que tomaram pílulas de THC, princípio ativo da planta, em relação aos que receberam placebo. A má notícia é que o índice de efeitos colaterais, como transtornos cognitivos e problemas intestinais, também foi maior. E não custa lembrar: engolir um comprimido com dose controlada de THC é bem diferente de fumar erva de origem duvidosa e em concentração desconhecida.
"A doença não me define"
"Do nada, senti uma dor no olho. Isso foi há oito anos e, no pronto-socorro, não sabiam o que era. Então, procurei um oftalmologista, e ele pediu ressonância magnética. Achei exagero, mas fiz. No laudo, li: `inflamação no nervo ótico, característica de processo desmielinizante¿. Descobri no Google que era um sintoma clássico de esclerose múltipla. Chorei, fiquei com raiva. O diagnóstico de algo grave e incurável é um abismo para o qual você é empurrada sem aviso. Comecei uma via-crúcis por neurologistas, sempre de mãos dadas com minha mãe - ela mais destruída do que eu. Tive outros surtos: mais dor no olho, dificuldade para andar, perda da sensibilidade nos braços, dormência nos pés... Numa viagem, deixei de sentir metade do rosto. A psicanálise tem ajudado, pois me torna mais lúcida. É possível ter uma vida útil fazendo adaptações e negociando com você mesma. Há no escritório um sofá-cama. Se canso, paro e cochilo. Até em festas, escapo, descanso e volto. Não forço a barra. Tive de aceitar e fazer as pessoas ao redor entenderem. A doença não me define, porque não deixo. Decidi que ela vai ter só 30% da minha atenção, não mais."
NINA CRINTZS, 34 ANOS, ROTEIRISTA
 

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